
Para que o patrimônio do devedor responda pelas dívidas, ele deve estar livre e desembaraçado, ou seja, não servir de garantia para o pagamento de outras dívidas e não ter sido transferido a terceiros em momento anterior ao ingresso da ação judicial.
Quanto à transferência dos bens do devedor para terceiros, a lei prevê hipóteses em que a disposição desse patrimônio pode ser considerado fraude ao processo de execução, quais sejam:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828 ;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V - nos demais casos expressos em lei.
Pela leitura do artigo de lei, presume-se que o terceiro adquirente será considerado de boa-fé, se ao tempo da aquisição do bem, não constavam sobre o bem penhoras ou averbação sobre a existência de processo judicial de execução ou cumprimento de sentença.
Ainda que o inciso IV do artigo 792 preveja a possibilidade de reconhecimento de fraude à execução somente pela existência de ação capaz de reduzir o devedor à insolvência, o STJ publicou súmula em que firmou o entendimento de que é obrigatório o registro da penhora ou que se prove a má-fé do terceiro.
Súmula 375 do STJ:
"O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente."
Até então, o credor deveria preencher um desses dois requisitos para conseguir comprovar a fraude à execução e tornar nulo o negócio jurídico – ao menos em relação ao processo executivo.
No entanto, em recente decisão proferida pela terceira turma do STJ, foi reconhecida a fraude à execução na hipótese em que um pai transferiu para sua filha menor de idade, um imóvel.
No caso analisado pelo superior tribunal de justiça, não pendiam sobre o bem a informação de existência do processo executivo, nem o registro da penhora. Também não foi necessário que o credor comprovasse a má-fé do terceiro adquirente (uma criança).
O principal fundamento da decisão, foi o de que a transferência do bem para pessoa da própria família, neste caso com a agravante de ser menor de idade, demonstra a total má-fé do devedor, ao tentar blindar seu patrimônio dentro da própria família.
Ao afastar a aplicação da súmula 375, o STJ agiu de forma extremamente excepcional, não se aplicando a referida decisão aos demais casos que venham a ser julgados pelo órgão jurisdicional. A excepcionalidade da situação levou os julgadores a entender que a súmula, neste caso, não teria aplicação.
Portanto, todos os cuidados e medidas devem ser tomados antes, durante e até a finalização da penhora dos bens do devedor, a fim de evitar alegações de nulidade ou mesmo, embargos de terceiro, pois a existência de fraude em casos análogos dependerá das circunstâncias fáticas postas ao órgão julgador.
A decisão é positiva aos credores, mas é sempre bom ter em mente que a utilização das ferramentas processuais disponíveis, tais como a averbação da existência da ação sobre o bem e o registro da penhora ainda são os mais eficazes para garantir o pagamento da dívida.
-Artigo publicado pela Dra. Carla Giacomini
∙ Advogada inscrita à OAB/PR 95.586 ∙ Bacharela em Direito | PUC/PR ∙ Especialista em Direito Empresarial e Agronegócio ∙ Especialista em Direito Imobiliário