
Um dos grandes autores de Direito Tributário no Brasil, Sacha Calmon Navarro Coêlho, ex-juiz federal, e ex-professor de Direito Tributário à Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, escreveu em um comentário ao objeto do Direito Tributário, a necessidade de buscar a justiça, ainda que contra o Direito Positivo, referenciando a necessidade de sopesar as normas frente a situações de clara injustiça em Direito Tributário.
Não é novidade que no Brasil há um ímpeto arrecadatório, associado em muito ao apetite quase insaciável dos Fiscos frente a altos gatos da administração pública, tanto a nível federal, quanto estadual e municipal.
Tal fato parece estar cada dia mais diante da nossa realidade diária, desde notícias quanto aos possíveis – e muito prováveis – aumentos da carga tributária com a Reforma, aprovada recentemente à Câmara, até em notificações de cobranças ilegais promovidas em face aos verdadeiros protagonistas da economia brasileira: a população comum, nominados pela Administração Pública como contribuintes.
Essa última nomenclatura, inclusive, soa bastante jocosa quando nos recordamos da definição de tal palavra ao dicionário, contrastando com situações absurdas proporcionadas pelos fiscais do Erário. Até porque, em outras línguas, por exemplo a inglesa, diz-se taxpayer, “pagador de impostos”, e não “contribuinte”, para aqueles que estão, verdadeiramente, na posição de pagadores de tributos, como taxas, contribuições especiais, contribuições de melhoria, e, claro, impostos.
Na esfera municipal, essa situação parece se agravar pelo desconhecimento generalizado da matéria tributária, proporcionando contextos em que, por vezes, duvidamos se há ou não, de fato, justiça tributária.
Um desses claros exemplos é a cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre a permuta de imóveis, ao que passamos a explicar, em resumo, o porque essa exigência do fisco municipal é, aos olhos do Direito Tributário, absurda.
O ISSQN, como prediz seu nome, é o imposto, de competência municipal, inserido ao art. 156, inc. III, da Constituição Federal, e regulamentado à Lei Complementar n. 116/2003, incidente sobre a prestação de serviços. Serviços, por sua vez, de maneira bastante genérica, são relações jurídicas entre particulares caracterizadas por obrigações ditas “de fazer”; e de maneira técnica, o legislador complementar adotou a listagem como metodologia de incidência suplementar da incidência do ICMS, que também abarca algumas obrigações semelhantes ao ISSQN – Não à toa, discute-se a incidência de um ou de outro em tantas ramificações econômicas, como o a questão da tributação de softwares, produtos feitos sob demanda, cosméticos e fármacos manipulados, industrialização por encomenda, dentre outros infindos tópicos relacionados.
O que contrasta, portanto, é o fato de permutas de imóveis serem objetos de fiscalização pelo município. Isso porque a permuta é definida como relação jurídica entre particulares em que é pactuado a troca de bens, e, em relação à imóveis, há uma troca de bens imóveis, como casas, apartamentos, salas comerciais, terrenos, enfim, uma série de exemplos assim classificados. Ora, a pergunta mais clara, portanto, é: onde se vê uma relação jurídica que possa aproximar a permuta à uma prestação de serviço?
De maneira espera, é claro, diversos municípios, incluindo-se o município de Toledo, realiza constantemente cobranças de ISSQN sobre permutas, o que gerou ao Poder Judiciário, a necessidade de estabelecer precedentes. No caso narrado, observamos o precedente do STJ, EREsp n. 884.778/MT, julgado ainda em 2010, e o AgRg no REsp n. 1.295.841/MS, julgado em 2013, os quais deixam bastante claro: não há incidência de ISSQN sobre a operação de permuta na construção civil.
O que causa a dúvida sobre a existência de justiça tributária de fato no Brasil, é que, apesar desses precedentes, é bastante comum os contribuintes ainda sofrerem abusos da administração municipal, como ameaças de cassação de alvarás e licenças, pelo não pagamento do ISSQN sobre permutas, ainda que disfarçados sobre o pretexto de cobrança do imposto sobre o serviço de construção civil.
Todo esse cenário deixa em evidência que a necessidade de acompanhamento por especialistas no âmbito tributário possui tendência de aumentar conforme os fiscos aumentam a busca de novas receitas. E a empreitada de nós, profissionais atuantes à área tributária, deve ter como objetivo, não o Direito Positivo, mas a justiça tributária, como nos dizeres de Sacha Calmon.
-Artigo publicado pelo sócio Guilherme Priesnitz