
A sonegação é um crime descrito por várias condutas, o que significa dizer que existem diversas ações que podem ser interpretadas pelas autoridades como o crime disposto à Lei n. 4.729/65. Elas podem ser resumidas genericamente da seguinte forma:
i) Prestar declaração falsa;
ii) Omitir informações necessárias ao ente tributante, ou seja, municípios, estados, o distrito federal, e a União;
iii) Alterar ou fraudar documentos exigidos pela lei; e
iv) Fornecer ou emitir documentos que alterem indevidamente o montante final do tributo a ser pago;
É importante destacar, já inicialmente, que essas condutas, para que impliquem em crime contra a ordem tributária, devem resultar na redução do tributo final a ser pago, razão pela qual, caso não haja tal diminuição, as ações dos contribuintes não deverão ser interpretadas como crime de sonegação, mas ainda podem caracterizar outros crimes, como a falsidade documental, dentre outros alinhados especificamente com o caso específico.
Como visto acima, diversas são as condutas aptas a aparentar, no caso de redução do tributo, o crime de sonegação; o que se traduz, em alguns casos, em verdadeiros erros por parte das autoridades fiscais e policiais, além do Ministério Público, em indiciar e denunciar, de forma indevida, meros erros formais no preenchimento dos milhares de documentos fiscais que uma empresa, hoje, deve emitir para estar em regularidade no Brasil.
Não é de hoje que nosso sistema tributário é extremamente complexo, tendo sido apontado, inclusive, como razão principal da baixa competitividade brasileira, conforme o relatório Doing Business de 2020. Para se ter uma ideia geral, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS, leva, em média, 1.501 horas por ano para ser apurado pelas empresas.
Frente à essa complexidade, principalmente envolvendo a sistemática não-cumulativa do ICMS, algumas empresas são processadas em âmbito criminal, sob a alegação de que fora realizada supressão da carga tributária em razão de condutas tipificadas como crime de sonegação. Um exemplo em absoluto, são as empresas que se creditam de ICMS nas entradas dos produtos, e, nesse procedimento, cometem erros formais, como classificação indevida destes, ou ainda a apuração do tributo final a ser pago com inclusão de benefícios fiscais não aplicáveis as operações que a empresa realiza.
Buscando elucidar, imagine-se um mercado que, ao realizar a apuração de seu ICMS, acaba por se creditar, ou seja, gerar um valor positivo em sua conta gráfica de ICMS, de produtos que integrem a cesta básica. Esses últimos possuem saída, ou seja, operações de venda, isentas, uma vez que, em sua grande maioria, são produtos inclusos em cesta básica, e assim não gerarão débitos após a sua venda em conta gráfica. O estado do Paraná - não sendo o único - buscando equilibrar as contas, não permite a tomada de créditos nas operações de entradas, ou seja, nas operações de compra, dos produtos que integrem a cesta básica.
No caso destacado, na hipótese em que o mercado tomar e manter o crédito apurado com produtos que integrem a cesta básica, haverá uma redução da carga tributária, que pode ser interpretado como sonegação fiscal – apesar de não ser. Nesse cenário, o sócio (a)-administrador (a) poderá ser indiciado, após o procedimento de representação para fins penais no estado do Paraná.
Caso assim seja, o mais importante é buscar um especialista em Direito Tributário para realizar a defesa ainda na fase administrativa, assim suspendendo a exigibilidade do tributo, e, em consequência, a inscrição em dívida ativa.
Esse último é importante pois, a inscrição em dívida ativa é uma das condições especiais no âmbito dos crimes contra a ordem tributária para que haja o oferecimento da denúncia, procedimento realizado pelo Ministério Público que formaliza a ação penal, como é lido no conteúdo da Súmula Vinculante n. 24:
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
E quais as soluções para os contribuintes que querem, como prioridade, a resolução na esfera penal?
Uma solução mais simples, buscando evitar o início ou a continuidade da ação penal, é o pagamento integral do tributo, o que inclui o valor de correção monetária e juros; por duas razões distintas, a depender do tempo em que se analisa o caso:
(i) o pagamento anterior à inscrição da dívida em certidão de dívida ativa, como nos casos em que há uma defesa administrativa, pois não haverá tipificação material do crime antes do lançamento definitivo, como visto à Súmula Vinculante n.244, e,
(ii) o pagamento posterior à inscrição em dívida ativa, o qual finda a pretensão punitiva, conforme a Lei n. 9.964 4/00.
Em ambos os casos, o que ocorre é a extinção da pretensão punitiva, atrelada à exigibilidade do crédito tributário. A lógica desse raciocínio validado pelo STF, é que, caso pago o tributo em suprimido, extinguindo-se o crédito tributário, nos termos do art. 156, inc. I, do CTN, não há razão pela manutenção da punibilidade do contribuinte agente que cometeu o crime contra a ordem tributária, já que a condição para que haja a verificação desse último é a redução do tributo, não alcançada em definitivo após o pagamento posterior do objeto da sonegação.
O maior problema com essa solução é que, muitas das vezes, as empresas não possuem liquidez suficiente a realizar o pagamento do tributo supostamente sonegado, o que afasta essa solução de fácil manejo. Isso porque, a exemplo do ICMS, os valores somados durante anos, na grande maioria dos casos, constituem muitas vezes o valor do faturamento da empresa, somados ainda os juros do período, e a correção monetária aplicáveis.
De tal modo, surgiu mais recentemente a tese de suspensão da punibilidade após o parcelamento da dívida, mantendo-se a suspensão penal enquanto durar a adimplência do contribuinte no acordo de parcelamento pactuado com o fisco, como já definido no julgamento do HC n. 116.828/SP, no STF. Ocorre que, tal tese ainda não é totalmente aceita, com a mais recente decisão do STJ recusando a suspensão da ação penal com base na assinatura do termo de parcelamento, cf. o Agravo Regimental no HC n. 716.746/DF, julgado na 6ª Turma do STJ.
Outras possibilidades de defesas incluem a negativa de autoria, ou seja, a demonstração ao juízo competente de que o sócio (a)-administrador (a) denunciado (a) não possui capacidades técnicas para responder sobre as operações contábeis da empresa; o que, à esfera penal, tem o nome de teoria do domínio do fato e é muito aplicada nos tributos de alta complexidade, como ICMS, PIS, Cofins, IPI, dentre outros. Nos tribunais de justiça do Brasil, há uma verdadeira coleção de julgados aplicando tal teoria para fundamentar a inocência de diversos empresários (as), quando versando sobre crimes envolvendo apuração de créditos irregulares de ICMS, o que, contudo, depende da análise do caso em particular, em destaque as provas que cercam àquele processo.
Na mesma esfera, existe a possibilidade de demonstração de ausência de materialidade, caso o tributo tenha sido suprimido, mas com a demonstração de que a diminuição do tributo tenha sido realizada não por fraude intencional, mas pelo erro formal, seja no preenchimento de guias que constituam obrigação acessória, ou outros equívocos contábeis que não caracterizem a fraude tributária propriamente dita.
Caso sua empresa seja alvo de autuação e posterior persecução penal, o mais, indicado, independente da solução que você escolha, é a procura de um especialista na área de direito penal tributário, verificando-se a melhor solução ao seu caso em particular, seja o pagamento, parcelamento, ou ainda, a defesa em suas formalidades ou mérito.